sábado, 28 de setembro de 2013

A divisão das motos

Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, eu na pilotagem, com um amigo na garupa, quando percebi um barulho estranho na corrente da moto, o que nos levou a uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro João, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.

Ao chegarmos em uma oficina de moto num lugarejo do nosso caminho, onde pretendíamos lubrificar a corrente, encontramos três homens que discutiam acaloradamente na porta do estabelecimento. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:
- Não pode ser!
- Isto é um roubo!
- Não aceito!
O inteligente João procurou informar-se do que se tratava.
Somos irmãos, esclareceu o mais velho, e recebemos como herança essas 35 motos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Carlos uma terça parte, e, ao Antônio, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte.
Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 motos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?
- É muito simples – atalhou meu amigo João – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte às 35 motos da herança esta bela moto do meu amigo Mário, que em boa hora aqui nos trouxe!
Neste ponto, procurei intervir na questão: - Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem se ficássemos sem a minha moto?
- Não te preocupes com o resultado, Mário! – replicou-me em voz baixa João – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me a tua moto e verás no fim a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o minha querida moto, que imediatamente foi reunida às 35 ali presentes, para serem repartidas pelos três herdeiros.
- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos - fazer a divisão justa e exata das motos que são agora, como vêem em número de 36.
E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou: - Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão.
E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: - E tu, Carlos, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
E disse por fim ao mais moço: - E tu jovem Antônio, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
E concluiu com a maior segurança e serenidade:
- Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos – partilha em que todos três saíram lucrando – couberam 18 motos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 motos. Das 36 motos, sobram, portanto, duas. Uma pertence como sabem ao Mário, meu amigo e companheiro, enquanto a outra toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!
- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos - Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!
E o astucioso João tomou logo posse de uma das mais bonitas motos do grupo e disse-me, entregando-me a moto que me pertencia:
- Poderás agora, meu amigo Mário, continuar a viajem sozinho na tua moto! Tenho outra, especialmente para mim!
Lubrificamos a corrente da minha moto e continuamos nossa jornada, cada um pilotando a sua moto.

Texto de Mário Sérgio Figueredo – inspirado e adaptado do episódio “A divisão dos camelos” do livro “O Homem que Calculava” de Malba Tahan.

Quem foi Malba Tahan?

Júlio César de Melo e Sousa (nascido no Rio de Janeiro em 6 de maio de 1895 e falecido no Recife em 18 de junho de 1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan, foi um escritor e matemático brasileiro. Através de seus romances foi um dos maiores divulgadores da matemática no Brasil.
Ele é famoso no Brasil e no exterior por seus livros de recreação matemática e fábulas e lendas passadas no Oriente, muitas delas publicadas sob o heterônimo/pseudônimo de Malba Tahan. Seu livro mais conhecido, O Homem que Calculava, é uma coleção de problemas e curiosidades matemáticas apresentadas sob a forma de narrativa das aventuras de um calculista persa à maneira dos contos de Mil e Uma Noites. Monteiro Lobato classificou-a como: “… obra que ficará a salvo das vassouradas do Tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação.’”
Júlio César, como professor de matemática, destacou-se por ser um acerbo crítico das estruturas ultrapassadas de ensino. “O professor de Matemática em geral é um sádico. — Denunciava ele. — Ele sente prazer em complicar tudo.”
Com concepções muito à frente de seu tempo, somente nos dias de hoje Júlio César começa a ter o reconhecimento de sua importância como educador. Em 2004 foi fundado em Queluz — terra onde o escritor passou sua infância — o Instituto Malba Tahan, com o objetivo de fomentar, resgatar e preservar a memória e o legado de Júlio César.

Clique para ler "O Homem que Calculava".

Texto escrito por Mário Sérgio Figueredo em motonline.com.br  

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